Política Quotidiana

Pesquisa personalizada

quarta-feira, fevereiro 01, 2006

PRESIDENCIAIS

A quase unanimidade de opiniões sobre o resultado das Presidenciais deixa pouca margem para apreciações heterodoxas.

Cavaco é o grande vencedor, todos os outros foram derrotados, mas (curiosa lógica a da política) entre os derrotados existem dois vencedores: Alegre e Jerónimo.

Eu subscrevo. Aliás, acho que se estivéssemos no tempo da Monarquia, o cognome de Jerónimo seria O Parapente. Ou seja, com Jerónimo a queda do PC é menos a pique.

Também não deixa de ser um sintoma da imparcialidade dos media e do preconceito social que Jerónimo de Sousa, desde os 24 anos (hoje tem 59) funcionário do PCP, seja apresentado como operário metalúrgico.

De acordo com esta lógica, vou passar a escrever Boina Verde no meu curriculum. O facto de só ter passado um dia na tropa é claramente irrelevante. Toda a gente aponta o dedo aos boys e funcionários dos aparelhos dos outros partidos. Menos ao PCP.

Eu até percebo, é mais “romântico” que um metalúrgico se candidate à Presidência que um tipo licenciado, “da alta”. O miserabilismo vai afundar-nos…

Quanto a Alegre, basta lembrar que após 30 anos de militância, de aparelhismo puro e duro, descobriu as virtudes da independência e da sociedade civil e mera coincidência, precisamente no momento em que o aparelho não o quis.

A sua campanha, falando para um País que só existe no limbo de 1975 (daquilo que alguns gostariam que tivesse acontecido) apelando ao provincianismo e à parolice da pior espécie (a pseudo-intelectual), e não é por acaso que a Direita mais retrógrada o aplaudiu, numa das raras saídas da sua toca, fala por si.

Na semana seguinte a coisa esfumou-se com o sopro inteligente de Sócrates e foi substituída pelos golos de Liedson. Haja paciência para os inconsequentes.

Por outro lado, toda a gente aponta Mário Soares como o grande derrotado. E isso é inquestionável. Esta campanha mostrou o seu melhor mas também o seu pior.

No entanto, se virmos os acontecimentos numa perspectiva dos efeitos no futuro político dos candidatos, Soares é aquele que, até pela natureza das coisas, menos preocupação tem. Ninguém lhe tira a grande influência na democracia e na integração europeia.

Já os outros candidatos não podem dizer a mesma coisa, porque o seu futuro político estava em jogo.

Jerónimo sai claramente reforçado. Alegre sai. Não se percebe bem para onde nem por que caminho, mas ele vai andar por aí. Mas na prática ficou a falar sozinho.

Falta o grande derrotado (em termos de futuro político) destas eleições: Francisco Louça.

Foi ele quem saiu mais enfraquecido. Agora que lhe caiu a capa de jovem admirador dos velhos feitos pré-históricos do PC (embora sublinhando que o bloco tem uma perspectiva mais moderna e radical, claro!) e passou ao ataque caiu em contradição. Procurou entrar no sindicalismo e o PC (aí instalado desde o 25 de Abril) repeliu-o. Procurou acariciar o ego do funcionalismo público e a facção do bloco que tem aversão ao funcionalismo público espumou. Perdeu completamente a coerência e entalado entre Jerónimo e Alegre ficou indeciso. Apareceu na noite das eleições no seu pior momento.

Assustado, incrédulo, despeitado.

Como ao contrário da imagem que gosta de passar, não é um jovem recém-licenciado à procura do primeiro emprego, mas um político com quase trinta anos de experiência, sobreviverá.


3 Comments:

At 5:21 da tarde, Blogger Filipe Pereira said...

Interessante este "post"... tanto mais interessante quanto desafiante em termos argumentativos. A forma como o conteúdo está assertivamente disposto quase que não nos dá espaço de resposta...

No entanto, parece-me pertinente comentar duas ou três ideias que aqui foram expostas pelo facto de que, se ficarem sem contraponto, poderão ser assumidas como consensuais....

Dificilmente qualquer análise poderá revelar a imparcialidade dos media já que estes, por natureza, não o são.... não poderão portanto ser uma coisa contrária à sua actual forma de estar.

O facto de Jerónimo de Sousa ser apresentado como metalúrgico, e isto poder signficar uma maior simpatia por parte das ditas "classes trabalhadoras", por outro lado é revelador do preconceito social que o PCP tem e do natural reflexo dos media face a este preconceito. Em simples exercícios de análise de reportagens se observa a parcialidade dos media... ou no limite a falta de respeito.

Em relação aos "boys" do PCP, tenho ouvido as mesmas críticas em comparação com os dos outros partidos. Acontece que os "boys" do PCP, como os "boys" do BE, como os "Boys" dos restantes partidos com menor expressão, não são relevantes nem visíveis face aos do PS, PSD e PP.

Quanto a Alegre, embora possamos efectuar as análises mais redundantes sobre os seus trinta anos de aparente silêncio, o que é um facto é que veio dar expressão a um conjunto de pessoas que encontrou nele uma candidatura diferente e revelou-se claramente como uma pessoa que não é político. Não sabe sê-lo... facto é que só no final tinha outro tipo de atitude.... e embora o conteúdo fizesse demasiadamente referência a uma fase, época de Portugal já ultrapassada, o que é certo é que hoje em dia estamos longe de perceber sequer o que se pretendeu por aqueles que realmente pensaram num 25 de Abril consciente. Falta-nos muita humildade hoje em dia para respeitar opções alheias e contrárias.

Quanto a Mário Soares... bom, acho que as pessoas procuram em demasia os vencedores e os derrotados. Não ganhou as eleições e ficou atrás de Alegre.... mas deu um exemplo e vontade... terá os seus interesses, interessados e interesseiros com ele.... mas hoje em dia quem consegue ficar isento? Consciente ou inconscientemente, agarram-se que nem lapas.

Falando do futuro dos candidatos, concordo que Jerónimo saia reforçado. Alegre sai... parece-me que de cabeça erguida... não terá ficado a falar sozinho... mas teremos que ver se a pessoas com quem ele falou são persistentes.

Francisco Louçã não me parece que tenha sido derrotado... aproveitou a oportunidade para expor ideias do BE, esteve em termos de argumentação, à altura de qualquer um dos outros candidatos... há quem diga inclusive que foi o melhor nos debates.... o objectivo e a ambição dele não é ganhar... é consolidar o BE... e isso é feito sempre que tem oportunidade para falar... mesmo que não concordemos...

Por último estava à espera de duas notas que não encontrei... uma referente a Garcia Pereira e à forma uma vez mais vergonhosa como foi tratado pelos tais "media imparciais"... e a outra nota referente a Cavaco Silva... embora tendo ganho as eleições, fê-lo com uma margem demasiado reduzida para a posição que quis ocupar. Assim como assim, era uma alternativa menos má para Sócrates... e não era NADA NADA linear para o governo que, numa segunda volta, a esquerda se unisse à volta de Alegre... aí sim... Sócrates seria o grande derrotado!!!

 
At 11:49 da manhã, Blogger Nuno Augusto said...

Um comentário ao comentário de Filipe Pereira, que me parece pertinente e certeiro: A questão não é quantitativa, é qualitativa. Isto é, os "boys" do PC também vivem à conta do Orçamento. E mesmo em termos quantitativos, não são assim tão poucos. Aliás, o drama da perda de influência nas Câmaras Municipais por parte do Pc é uma questão política, mas é também uma questão logística, pois o PC ficou sem lugares para atribuir aos seus. Esta estratégia foi assumida por Álvaro Cunhal desde o início e de forma expressa. A colocação de elementos comunistas, com uma missão evangélica, no seio da Administração Pública é uma estratégia clara. Concordo que o contra-ataque do PS e do PSD, foi, digamos demolidor e que hoje em dia a Administração Pública está enxameada de boys rosa e laranja...

 
At 12:19 da tarde, Blogger Nuno Augusto said...

As duas notas que efectivamente faltaram:

Garcia Pereira - independentemente de Garcia Pereira nada ter a acrescentar ao debate político, aquilo que lhe fizeram, daria, num verdadeiro Estado de Direito, à respectiva indemnização em termos de responsabilidade civil.Uma coisa choruda, exemplar, para que os "merdia", da próxima, tivessem mais juízo.

Cavaco - A sua pequena grande vitória é uma consequência da sua profunda incultura e ignorância. Mesmo num país como o nosso, cheio de gente saloia e provinciana, frases como "A falta de ordenamento do território é um problema para o turismo", que demonstra até onde vai a profundidade intelectual de Cavaco, causam mossa.

Alegre não saiu de cabeça erguida, porque falta a premissa lógica, isto é, que alegre tem cabeça, no sentido de consciência, de percepção da realidade. O que eu duvido. Alegre é em termos políticos, uma personagem de Lewis Carroll, depois de uns copázios de Oporto.

O Chico foi, repito, o maior derrotado desta eleições, porque teve menos votação que o Bloco e não consolidou nada, só as suas próprias artérias. O eleitorado do Bloco, é por natureza, difícil de consolidar, de fidelizar e ao querer crescer, Francisco Louçã perdeu coerência e entrou em contradição, porque grande parte do Bloco detesta o aparelhismo (funcionalismo público, sindicatos, tudo o que seja muito organizado ou corporativo) e Louçã fartou-se de piscar os olhos a essas corporações.

 

Enviar um comentário

<< Home