Política Quotidiana

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sexta-feira, fevereiro 10, 2006

SÓ COMPRA ESTA GUERRA QUEM QUER

Antes de mais, algumas clarificações:

a) Se tenho alguma convicção (substituto agnóstico da fé), o que é difícil num céptico como eu, é a de que a dita Civilização Ocidental é superior a todas as outras. Isto é, corresponde a um estágio mais avançado da evolução humana. Ponto final parágrafo.
b) Que ao contrário do que por vezes transparece, não só nem sempre foi assim, nem sempre respeitámos a dignidade da pessoa humana, a autodeterminação, o respeito pelo outro e a liberdade de expressão, como ainda há pouco mais de meio século a Europa, berço destes princípios civilizacionais, estava mergulhada numa guerra que obliterou todos estes princípios;
c) Logo, estamos perante um processo, uma assunção progressiva destes valores que hoje estravasa a Europa;
d) A democracia e os valores ocidentais não são susceptíveis de imposição forçada a terceiros, o que aliás é contrário à sua própria natureza;


Posto isto, é conveniente esclarecer que muito do pensamento ocidental se baseia ainda no maniqueísmo que sobreveio da 2ª Guerra. Nós os bons e eles, os pérfidos. Quem cresceu neste status quo tem grande dificuldade em pensar o mundo de outra forma. Quando os pérfidos de serviço pereceram por auto-mutilação, o mundo de cá ficou sem inimigo e sobretudo sem justificação para o lado negro que todos temos.

O Islão, hoje eleito pérfido de serviço, é apenas uma pequena parte do mundo, uma pequena irritação cutânea que, por inabilidade de Franceses e Britânicos, que lançaram borda fora as partes do seu império que já não controlavam.

Ou seja, o que nós temos é uma desconfiança ancestral entre judeus e os muçulmanos que vivem num pequeno cantinho do Mediterrâneo, que por opção estratégica do Ocidente têm vivido em constantes faenas. Como ser civilizado tem um custo elevado, depois do domínio directo dos recursos naturais, o Ocidente passou a utilizar estratégias mais sub-reptícias de acesso e usufruto desses recursos.

No entanto, quando se olha para o mundo, o médio oriente, sendo fulcral, é apenas um pedaço de terra que nas suas entranhas tem petróleo. Quando se olha para o Islão, ele não existe, formal ou organicamente. O que existe, como aliás já existiu na Europa Cristã, é um conjunto de pessoas mais ou menos radicais, que tendo por base uma determinada fé, entende que ela é o princípio e o fim, a justificação de todos os actos.

Querer juntar países onde a maioria é muçulmana, mas onde o Estado, isto é, a organização colectiva dos cidadãos, começa a funcionar de forma separada da Igreja, com países que são governados por ditadores teocráticos é perigoso. Como também é perigoso aceitar ditaduras quando elas são nossas amigas e nos ajudam, alimentam a nossa gula e falta de disciplina, para logo as condenarmos quando deixam de o ser. Tem sido esta a estratégia política dos Estados Unidos e da França, sobretudo.

Deste maniqueísmo resulta algo ainda mais perigoso. É que tendemos a ser mais tolerantes com as nossas falhas e menos com as falhas dos outros. A analisarmos os factos com duas categorias apenas: o nosso lado e o lado dos outros, devidamente tipificados e tendemos a simplificar o raciocínio e a aceitar, por exemplo, que pese embora as razões alegadas para a invasão do Iraque tivessem sido um embuste, logo uma violação das regras pelas quais tanto lutámos, se justificam, porque estamos em guerra. E aceitamos coisas como Guantanamo que é precisamente a negação da nossa natureza e nem o facto de “estarmos em Guerra”, como dizem alguns, justifica essa derrogação.

Finalmente, não se pode dizer que o Islão está em guerra com o Ocidente ou vice-versa, pela simples razão que o que está em guerra, aliás sempre esteve na história do mundo, é a liberdade contra a opressão, a democracia contra a ditadura, é a transparência contra o obscurantismo. O fundamentalismo islâmico, os integrismos cristãos ou judaicos são o nosso inimigo, não o Islão e muito menos os muçulmanos.

Só compra esta guerra quem quer.